segunda-feira, 5 de março de 2012

Como lidar com a solidão

A solidão está frequentemente associada a sentimentos de isolamento, inutilidade e tristeza. A investigação sugere mesmo que a solidão está ligada a alterações do funcionamento cardiovascular, endócrino e imunológico, constituindo um factor de risco para tensão arterial alta, diminuição das capacidades cognitivas, dificuldades de sono e progressão de algumas demências. Como combate-la então ?

Apesar de existirem vários recursos práticos possíveis e que passam por exemplo por ter um animal de estimação, por prestar ajuda voluntária aos outros, pelo envolvimento em actividades que cultivem a espiritualidade, entre outros, a forma mais duradoura e eficaz está relacionada com a alteração da perspectiva negativa que as pessoas têm sobre si próprias e sobre os outros. Ao mudar a sua interpretação sobre a realidade, os seus sentimentos mudam, assim como os seus comportamentos. Contudo, por ser transformativa e não apenas um recurso, esta solução pode não ser alcançada pelo próprio sem ajuda, exigindo frequentemente  que a pessoa em sofrimento se encha de coragem e se atreva a sair da sua solidão, partilhando-a com alguém, neste caso um profissional qualificado, que através da relação psicoterapêutica o poderá ajudar a re-encontrar-se e a redescobrir-se, no fundo, a gostar mais de si próprio.



terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Natal, família e depressão


A ideia da família reunida a festejar o Natal está longe de despertar afectos consensuais, pois a forma como cada pessoa sente a sua família e a sua relação com cada um dos seus elementos, pais, irmãos, primos, etc, é única. Ora se nesta época é socialmente obrigatório que essa reunião aconteça é também psicologicamente obrigatório que a reactualização dos conflitos latentes venha ao de cima, com tudo o que isso implica.

Zangas antigas, por vezes tanto quanto as pessoas e/ou velhos ciúmes, todos se enfeitam para a noite de Natal e ameaçam sair do armário à hora da Ceia. Seja a rivalidade com o irmão pelo lugar preferido junto do pai ou mãe, seja a tristeza pelo sentimento de falta de amor ou atenção. Não é portanto de estranhar que as vésperas sejam vividas com um misto de excitação e/ou inquietação, à medida da história de cada um.

Se a força das mágoas antigas ou o vazio de afectos dominarem a cena poderá emergir a tristeza, a depressão, o sentimento de profunda solidão, mais violenta ainda pelo sentimento de diferença e inadequação face a um mundo inteiro que festeja.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sobre as prendas de Natal


Por esta altura do ano começa a notar-se nos Centros Comerciais a agitação típica da época, materializada em carros e sacos cheios de presentes para o Natal. A submissão a uma prática comercial pura e dura, que não contempla crises nem admite falhas, parece dominar até o espírito mais critico e/ou céptico.

As crianças são as estrelas da festa e é para elas que são dirigidas todas as atenções. Múltiplos presentes são preferidos por muitos pais em detrimento das qualidades dos mesmos, mas mesmo quando se têm estas em atenção opta-se geralmente pela complexidade ao invés da simplicidade, que é aquela que mais estimula a fantasia e a criação. Perante a dúvida, desde que a bolsa o permita, os eleitos são os mais caros, pagando também as crianças um preço elevado, pois a capacidade de sonhar constrói-se sobre a ausência e não sobre o excesso. Uma caixa de Legos custa menos e pode valer mais que mil castelos.

Pais que pelas suas próprias fragilidades sentem a necessidade de encher os filhos de presentes devem parar para pensar um pouco, porque … de sorrisos fugazes não reza a história, nem o desenvolvimento infantil, acrescento eu. Claro que os olhos das crianças brilham mais com uma grande montanha de presentes do que com apenas um ou dois embrulhos, mas educar é ter os olhos postos sobretudo no amanha e não apenas no momento presente.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Ataques de Panico


Nos dias que correm são cada vez mais aqueles que sabem o que é um ataque de panico ou mesmo que já o sentiram na pele. Tremores, aumento da frequência cardiaca, suores, tonturas, falta de ar... Alguns sentem que vão morrer, outros que vão enlouquecer... Exames médicos e nada, tudo psicológico!Por vezes é com algum desanimo que se recebe esta noticia, como se o facto de ser um problema emocional e não fisico tornasse tudo mais complicado. No fundo não se vê, e esta sensação de se estar perante algo desconhecido assusta ainda mais, ou não fossem os ataques de panico justamente ataques de um medo desconhecido, descontrolado, desconcertante.

Muitas vezes entre o medo de voltar a ter e o voltar a ter existe muito pouco espaço e mais do que aprender a reconhecer os sinais de que está a aproximar-se mais um, ou as tecnicas de relaxamento mais uteis para o combater, importa perceber em que contexto de vida surgiram, de que angustias profundas estarão a dar sinal, que perigos a mente identificou nas proximidades...

Uma mudança de emprego, de chefe, ou de relação constituem acontecimentos aparentemente inofensivos, muitas vezes encarados até com entusiasmo, nada comparáveis à partida com um luto, ou uma dolorosa separação, claramente marcados pela angustia. Porquê então os ataques ? Provavelmente porque a mente percepcionou um perigo, uma ameaça. De quê ? Eventualmente de perda de referências, de separação, de desamparo...

Não será por acaso que falar com alguem intimo é dos antidotos mais eficazes. Procure ajuda, perceba verdadeiramente o que se passa consigo.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Da Neutralidade

Com as transformações que o mundo tem vivido, sobretudo nos últimos 50 anos, parece-me inevitável que se coloquem em causa os velhos conceitos, aos mais variados níveis. Na psicanálise estes questionamentos são de extrema utilidade não só no sentido de estimular, através da reflexão, o nosso crescimento como também como um meio para alcançar um melhor desempenho profissional, mediante uma melhoria da adaptação das teorias à prática.

Olhando para as transformações quer sociais quer individuais que se têm vindo a observar interrogo-me sobre as suas invariantes. Ou seja, no fundo e para além de todas estas mudanças o que é que permanece ou deveria permanecer igual para o bem da humanidade em geral e dos seus indivíduos em particular. Bom, mas isso daria já outra reflexão!

Sobre os velhos ideais aplicados ao trabalho psicanalítico, o que importaria agora aqui pensar é quais deveremos ou não seguir, ainda que sempre conscientes de que só conseguiremos deles meras aproximações. Sócrates ao defender a Verdade, no século V a.c., foi condenado à morte. Outros autores ao longo da história, e mais recentemente Bion, continuam a afirmar que existe uma Verdade ultima, ainda que dela só consigamos levemente aproximar-nos.

A meu ver, face à neutralidade do analista passa-se algo de semelhante. Freud afirmava que este deve ser como um espelho que reflecte o que o analisado lhe mostra, com um mínimo de interferência possível da sua parte. Ao dize-lo está consciente de que é fácil que essa interferência ocorra e que é humano que assim o seja, mas que o nosso esforço deve ser no sentido de criar condições, através da nossa auto-reflexão e da nossa ética, para que essas sejam reduzidas ao mínimo.

Trata-se, dito de forma muito simples, de evitar a interferência de ruídos que iriam diminuir a nossa capacidade de ouvir o que o nosso paciente nos diz. Ruídos estes, uns oriundos do nosso mundo interno, através da nossa própria contra-transferencia, muito útil no entendimento do que se está a passar em cada momento do processo e outros, provocados por um excesso de nós, que levaria o paciente a sentir menos espaço para entrar e a nós a ter menos espaço interno para o receber.

Claro que com as neuroses isto remete para uma maior ou menor dificuldade de o paciente transferir sobre nós os seus conflitos, mas mesmo com patologias limite ou psicóticas penso que é mais importante que estes nos sintam mais como continente e menos como conteúdo.

No fundo acredito nos benefícios da neutralidade como ideal a seguir, mas com as devidas adaptações, quer no que remete para a articulação com a psicopatologia, pois a neutralidade com a neurose não é igual à neutralidade com a patologia psicótica, e aliás a própria contra-indicação do divã é disso exemplo, quer no que remete para a exposição publica, a qual nos tempos que correm, com a Internet, seria quase impossível evitar.

Mas sempre com a neutralidade no horizonte não deixo de ter alguns cuidados com aquilo que escrevo ou revelo, e de me questionar sobre o que os meus pacientes pensarão ou sentirão se/quando confrontados com essa informação.