
Ao nascer, o bebé humano é talvez o mais dependente de todos. Sem cuidados, sem alimento, sem atenção, não sobrevive. Precisa de alguém de quem possa depender até poder bastar-se a si próprio. A maioria dos problemas do homem tem aqui a sua origem.
Se o seu objecto de dependência lhe falhou sistematicamente, se o fez passar privações, quer de cuidados básicos, quer afectivas, a sua capacidade de confiar, de se confiar no Outro, pode ter ficado seriamente ameaçada. E sem ter podido confiar no Outro, como pode ele construir/saber o que é a confiança? Como pode aprender a confiar verdadeiramente em si próprio?
Cresce a incapacidade de estar só, aumenta a necessidade de um Outro que possa continuamente acalmar, conter as raivas e as frustrações, ajudar a pensar e a tomar decisões.
Quando nem sequer ao Outro se pode agarrar, vai tentar agarrar-se às coisas, objectos inertes que estão para além da falha porque não humanos. Os gadgets, as drogas, os comprimidos para dormir, o jogo, a internet... Tantas são as formas actuais de viver a dependência. Se são patológicas estas formas é porque ainda assim parecem ter sido as únicas que pareceram fiáveis, a despeito dos efeitos secundários.
Abandoná-las, só depois de muito garantida a possibilidade de dependência de um Outro que não falhe, dependência esta mais saudável porque relacional, viva e passível de transformar os sujeitos em interacção, mas ainda assim algo frustrante pois longe da liberdade. Só após uma vivência tranquila e gratificante desta relação com o Outro, tenha-se 1, 10, ou 30 anos(ou mais) poderão vislumbrar-se no horizonte os contornos da liberdade de pensar.
Eis a tarefa do psicoterapeuta/psicanalítico perante alguém que sofre de dependência patológica. Trilhar com o paciente este tortuoso caminho da falha, da falta, da dificuldade em confiar, mobilizadores de tanta raivas, ódios e frustrações, transformá-los e torná-los pensáveis, em direcção a uma vida mais plena de relacionamentos gratificantes assentes na liberdade de pensar e existir.
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